Numa matéria de recente (abril de 2018), o jornal americano The New York Times revela um quadro que vem se ampliado entre os tratamentos de longo prazo: “Muitas pessoas que tomam antidepressivos descobrem que não conseguem parar” (Many People Taking Antidepressants Discover They Cannot Quit). Embora sem saber estabelecer o percentual de pessoas que não conseguem parar, a matéria mostra o crescimento dos tratamentos com antidepressivos e da extensão deles: 25 milhões de americanos já tomam o remédio há pelo menos dois anos, e 15,5 milhões tomam há pelo menos cinco anos. A intenção original quando as drogas foram criadas era de tratamentos de 6 a 9 meses no máximo.

“Ainda assim a profissão médica não tem boas respostas para as pessoas que estão se debatendo para parar de tomar as drogas — não há orientações com base científica, nenhuma maneira de determinar quem corre mais risco nem estratégias personalizadas para cada pessoa. “Algumas pessoas estão sendo mantidas sem prazo nesses medicamentos por conveniência, pois é difícil de enfrentar a questão de tirá-las delas”, diz o Dr. Anthony Kendrick, professor de primeiros cuidados da Universidade de Southampton, na Inglaterra. “(NYTimes)

Porque estou tratando desse assunto de remédios psiquiátricos, particularmente antidepressivos, aqui, quando a abordagem terapêutica que uso não estuda nem prescreve esses medicamentos, tampouco compreende amplamente como é o processo de saída e limpeza deles do organismo humano? É simples: várias das pessoas que estiveram ou estão em processo terapêutico comigo fazem em paralelo tratamentos psiquiátricos com esses antidepressivos, e a maioria delas, ou de fato todas, tem o desejo de que o tratamento não dure pra sempre, e/ou que possa ser encurtado tanto quanto possível. Geralmente pelos efeitos colaterais que sentem, mas também pela impressão que tem que depender deles não é sua escolha para saúde.

Essa pesquisa analisada pelo The New York Times é uma das primeiras a revelar o enorme mal-estar que a saída dos antidepressivos vem causando em uma parte das pessoas que os adotam em longo prazo, mas que poucos comentam — a não ser os próprios pacientes, entre eles ou entre as pessoas mais próximas. E, naturalmente, conosco, os terapeutas que acompanham o tratamento e a transição. Como a matéria atesta, muitos psiquiatras e muitas das empresas farmacêuticas que criaram os remédios não sabem ao certo como realizar um processo de saída do remédio, e a melhor resposta que tem muitas vezes é “depende de caso a caso”. A matéria cita uma pesquisa feita com 250 pacientes que usavam antidepressivos por longo prazo, e mais da metade qualificou como “severos” os sintomas que sentiram ao tentar parar com a medicação.

Duas observações importantes que gostaria de fazer sobre esta matéria, e que dizem respeito a todos nós, ou seja, que inclui os que tomam e os que não tomam anti-depressivos.

A primeira é mencionada na matéria: segundo os dados, os pacientes de longo termo de antidepressivos “duvidam da própria resiliência devido à rotina diária de tomar as pílulas”. Esse é um efeito que pode acontecer com praticamente qualquer medicamento, mas obviamente que isso fica mais evidente com os remédios mais fortes, aqueles que mudam o estado emocional ou os sintomas de desequilíbrio mental ou físico de uma pessoa. A capacidade de um indivíduo de se tratar sozinho, de se manter equilibrado e saudável após o fim do medicamento, é uma capacidade fundamental da saúde e do bem-estar, e é afetada pelo ato de tomar os remédios todo dia. Isso precisa ser endereçado diretamente na terapia, como parte de um tratamento terapêutico que acompanha a transição para a parada dos medicamentos.

A segunda observação não está citada na matéria, mas é igualmente ou até mais importante que os outros efeitos citados (que aparentemente estão mais associados ao fim químico do tratamento): é o medo que a pessoa tem de retornar ao seu estado anterior (de depressão). Sintomas como ansiedade e insônia, que são apenas alguns dos associados aos processos de parada desses medicamentos, podem ser causados na verdade por esse temor de regressão (pelo menos em parte). E esse é um medo às vezes profundo e visceral. A pessoa chega a tremer no consultório apenas de lembrar da possibilidade de regredir. Chora. Pensa em não parar de tomar o medicamento. Ou seja, esses temores são frequentemente citados nas sessões que tenho, e é estranho que não estejam citados na matéria (talvez pela intenção de deter o foco na responsabilidade dos médicos e da indústria sobre essa parte do tratamento). Mas imagine você em profunda depressão, experimentando sintomas como desânimo para viver e até pensamentos suicidas: como seria possível parar de tomar um remédio que lhe ajudou a sair desse estado crítico sem pensar na possibilidade que o quadro volte? As chances são pequenas. Provavelmente pensaremos, e mediremos nossa capacidade de sair dele sem remédio — é um raciocínio básico, e salutar, é um impulso de auto-preservação. É necessário que isso também seja endereçado conscientemente pelo paciente, e que seja cuidado, planejado e tratado.

Um dos objetivos principais da terapia, principalmente da abordagem da Gestalt, é que haja uma transformação onde a pessoa passe do apoio externo ao auto-apoio. E a situação medicamentosa, ainda que inspire cuidados adicionais, está incluída nesse objetivo.

Ainda assim, ainda que a terapia seja uma grande aliada na transição e no cuidado de todo o processo psíquico e integral do fim de um tratamento psiquiátrico, é absolutamente fundamental que tanto os médicos psiquiatras quanto a indústria dos remédios psiquiátricos estejam em sintonia e produzam um corpo de conhecimento e de orientações para o fim de todos esses tratamentos. Isso, inclusive, será um recurso para que o paciente e qualquer ajuda que vier a ter para encerrar seu tratamento sejam bem-sucedidos. E não os substitui.

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