O médico, terapeuta e fundador da Escola SAT, o chileno Claudio Naranjo, falou recentemente na Itália (novembro de 2017( sobre a formação do carácter como neurose, uma visão sintética e abrangente do processo infantil que transforma o que conhecemos genericamente como “características” de uma pessoa, ou “personalidade”, e que é originalmente uma defesa contra o ambiente e que evolui a uma auto-prisão, que priva o ser humano da sua vida real. Nesse trecho abaixo ele comenta também nossa sede de amor e nossa incapacidade de amar, e mesmo de ser livres, devido a essa auto-prisão inconsciente, que só será aberta pelo conhecimento que buscamos a respeito de nós mesmos.

Eis o trecho:

“A necessidade da criança é defender-se do ambiente. Todos, como crianças, somos a semente de uma planta que exige uma boa terra, água, sol. Todos nós temos necessidades naturais, mas estas necessidades naturais, são frustrados por uma sociedade doente. Você exige amor, mas tem amor essas crianças que nascem em um mundo onde a mãe está muito ocupada ou onde o pai é violento e não permite à mãe sentir-se bem na relação com o filho e com ela mesma?

Por conseguinte, a problemática universal das crianças é quase invisível para nós, porque esquecemos a dor da infância e estamos habituados à “doença” que nos rodeia. A criança que tem uma mãe invasiva, defende-se retirando-se; Uma criança que tem um pai violento, defende-se com um desprezo pela autoridade; uma criança que tem pais demasiado em conflito um com o outro, defende-se a tentar tornar-se uma pessoa conciliadora, como uma ponte: todos nós temos uma reação mecânica aos problemas Mecânicos à nossa volta.

O termo deriva da palavra grega kharaktḗr que significa pegada, é como algo fixado em nós. A vida, porém, não é fixa, mas está sempre em movimento, é um líquido. O carácter, pelo contrário, é uma forma de ser condicionado. Transformação significa libertar-se do condicionamento infantil (que formou o caráter), para ser nós mesmos, para ouvir interior o que quer a parte essencial de nós e criar uma vida independente de reações obsoletas.
Não temos o sentido da vida, porque para ter o sentido da vida, você exige viver e nós não temos uma vida real, mas temos uma vida automática, somos mascarados como fantoches e é uma maneira de ser que vem de nossos pais e de outra vez mais longe, através de gerações. São formas de não ser nós mesmos. Se estamos numa jaula, não podemos descobrir o sentido da vida. Para sair da jaula, temos de perceber que estamos numa jaula, mas muitas pessoas não sabem e repetem os mesmos mecanismos condicionados.

O autoconhecimento é fundamental mas o conhecimento de nós mesmos não faz parte da educação. Sem conhecimento de nós mesmos, porém, você não pode recuperar a capacidade de amar e não sabemos que somos incapazes de amar. Uma pessoa é triste se não ama ela mesma e não ama ninguém apesar de dizer todos os dias eu te amo. Dizer te amo é uma mentira que um diz a si mesmo: “Eu te amo tanto” quer dizer “eu queria tanto que você me amasse”. Temos uma sede de amor muito grande, mas a sede de amor se transforma em capacidade de amar só através de um caminho. É um caminho doloroso porque o crescimento passa para o conhecimento de si mesmo, que é um pouco como uma descida para o inferno.”

CLAUDIO NARANJO, Itália, 2017.

Via Pietro Bonanno.

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