“Algumas vezes, simplesmente lembro os pacientes de que, mais cedo ou mais tarde, eles terão de desistir da meta de ter um passado melhor.”
– Irvin D. Yalom em “Os Desafios da Terapia”

Pense nisso na sua própria trajetória.

Pense em relação às necessidades que você tem há tempo.

Pense nisso em relação aos arrependimentos e possibilidades perdidas.

Pense em relação às mágoas e angústias, se você tiver alguma.

Praticamente todas as pessoas que já entraram em terapia tiveram que revisitar seus passados e, de uma forma ou de outra, trabalhar sobre eles. Algumas linhas psicoterapêuticas apenas o pesquisam, outras o aprofundam, outras o analisam e racionalizam, outras o transformam, resignificam, perdoam, reconciliam. E deve haver um tanto mais que abordam o passado de várias outras maneiras.

A frase de Irvin Yalom soa como resignação (talvez seja a intenção original), mas há também uma possibilidade imensa de cura e libertação nela, se contemplarmos um pouco do que ela também contém. Desistir de um passado melhor é aceitar e se reconciliar com esse próprio passado, liberando-o profundamente. Liberá-lo não é esquecê-lo, é apenas aceitar que não há como modificá-lo, por pior que tenha sido, e que qualquer pendência ou necessidade não atendida também pode ser liberada, fazendo com que ele deixe de ocupar, assim, o precioso lugar do presente.

Não deixe o passado ocupar o lugar do presente” é uma das traduções alternativas de um dos famosos Seis Conselhos do sábio indiano Tilopa (988-1069). Ele normalmente tem sido traduzido apenas como “Não pense” ou “Solte o passado“, ou ainda “Não prolongue o passado“, que tem mais a ver com a tradução inicial mencionada acima. É impossível para a mente humana apagar o passado (embora nos esqueçamos facilmente de muitas coisas), e provavelmente isso também não seja desejável, mas a soberania do passado sobre o presente sim. Pode e deve se superada e transformada, como objetivo de terapia e da sanidade humana. Se ao passado fosse designado maior poder do que o presente, e ao passado fosse designado todo o poder sobre o presente, sempre sobrescrevendo-o, nunca mais um indivíduo teria algo novo em sua vida, nunca mais teria espaço, e seria para sempre um escravo de uma fita em eterna reprodução.

Liberar o passado é não só aceitá-lo, mas muitas vezes honrá-lo, agradecê-lo e deixar que ele fique onde pertence.

Se há uma função na invocação do passado pelo presente, é tornar o presente mais presente. Até que não precise mais do passado nenhum, mesmo que ele exista.

Do ponto-de-vista mais espiritual, que também serve à terapia, o passado não tem existência por si mesmo, é apenas uma faceta da ilusão humana. O passado sempre precisa da faísca de luz no presente para ser vivificado.

Desistir de um passado melhor é também desistir do passado. E poder viver melhor onde há vida naturalmente vivificada, o presente.