Uma série de motivos relativamente recentes — da terapia transpessoal ao crescimento da Constelação Familiar, passando pelo movimento pontual pelo renascimento do parto — está causando uma profunda reavaliação da importância da gestação e do parto no desenvolvimento das crianças e dos adultos. O psiquiatra tcheco e precursor da Psicologia Transpessoal, Stanislav Grof, autor de “A Mente Holotrópica”, é um dos estudiosos mais interessados e atuantes na redescoberta dessa importância da vida pré-natal, do parto e dos primeiros momentos de vida, e em entrevista recente publicada na revista brasileira Crescer (13/07/2015), demonstrou como isso vem acontecendo. Ele afirma que “nascer é o primeiro grande desafio” do ser humano, e que isso deveria ter muito mais atenção por parte da medicina e da psiquiatria.

Psiquicamente, e espiritualmente, podemos dizer, esse primeiro grande desafio deixa uma impressão forte no ser que acabou de chegar a uma outra dimensão. E Grof defende que o ser nascido o toma como um desafio vencido, dependendo das condições. Ou seja, além do contato materno e paterno, e das condições de saúde e da família no parto e pós-parto, a vida intra-uterina, o parto e o nascimento estão sendo vistos cada vez mais como significativos para a própria percepção que o bebê tem de si mesmo, da sua capacidade de sobreviver e viver.

A entrevista é extensa e por isso trago apenas um trecho, que fala justamente do nascer como evento desafiador, “mais ainda para o bebê do que para a mãe”.

Revista Crescer: O desafio do parto pode deixar uma impressão positiva?
Stanislav Grof:
Sim, se você foi exposto ao nascimento e sobreviveu a ele, isso deixa um otimismo no nível celular. A sensação de que, quando as dificuldades surgem, é possível lidar com elas. Se a gravidez foi boa, a duração do parto está na média e a vida pós-natal é boa (uma boa relação entre a mãe e a criança), é muito provável que um impacto positivo seja maior que o aspecto traumático. Mas se você tem, digamos, um parto prolongado que teve que ser concluído com uma cesariana, com fórceps ou algo do gênero, isso deixa uma insegurança em relação aos problemas e as dificuldades que virão. Então, na minha experiência, essas são coisas muito importantes: como é o período no útero, o parto e, claro, a vida após o nascimento.

C: Mas podemos dizer que a experiência do nascimento será sempre um trauma?
SG:
Não sei se um trauma, mas certamente um grande desafio. A maioria das mulheres dirá que foi bem desafiador trazer seu filho ao mundo. E é mais ainda para o bebê do que para a mãe. A questão mais importante aqui é: nós nascemos – estamos aqui, então conseguimos sair –, mas não significa que completamos isso emocionalmente. Imagine horas de asfixia, dor e pressões, sem nenhuma forma de processar. Você não pode gritar, fugir, mal consegue se mexer… O pequeno choro que acontece depois do nascimento não é nada comparado ao que seria necessário para responder adequadamente àquilo. Imagine se tivéssemos um gato aqui, ou um cachorro, e começássemos a fazer com ele o que acontece com o bebê. Você veria um furacão, o animal gritaria, morderia, tentaria fugir, te atacaria… Tudo depende de quanto tempo dura o parto e de quais são as circunstâncias. O impacto positivo pode, sim, ser mais significativo que o trauma. Mas também é possível que o trauma fique em um lugar profundo, e não seja tão fácil acessá-lo. (…)

(Fonte: Revista Crescer)

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