“Eu estou sozinho porque fulano ou fulana não se importam o suficiente comigo, ou com a nossa amizade, ou isso e aquilo”, “Eu mesmo quero ficar sozinho agora, não que eu queira, mas a sociedade é assim, o que posso fazer, etc”, “no fundo é bom ficar sozinho, não depender de nada nem ninguém, e isso e também isso”… Buscar refúgio, segurança ou proteção nos pensamentos discursivos é uma das maneiras de lidar neuroticamente com a solidão, e não buscar esse expediente é uma das formas de experimentar a solidão serena, como monja Pema Chödron define a abordagem saudável de encarar e viver a solidão segundo os ensinamentos budistas.
Os pensamentos discursivos é o nosso blablablá interno, nossa conversa com nossas vozes interiores. São geralmente cheios de explicações, justificativas, razões, acusações, consolos, auto-enganos, disfarces, dogmas, vitimizações, culpas e fugas. Mesmo quando contém alguma verdade, não permite que a solidão seja experimentada, e, assim, acaba também sendo uma maneira de fugir dela, acobertando com algo que parece nobre, mas que também é rejeição e experiência superficial. Os pensamentos discursivos são desvios que servem a qualquer experiência, e podem se tornar grandes inimigos da experiência de ser humano (de fato, o próprio Buda afirma, em seu ensinamento no Dhammapada, que “nenhum inimigo pode causar-lhe tanto dano quanto seus próprios pensamentos, desguarnecidos”.
Diz Pema Chödron, no seu texto:
“Um outro aspecto da solidão serena é não buscar segurança nos pensamentos discursivos. O tapete foi puxado; o truque foi desvendado; não há maneira de fugir deste! Nós sequer buscamos a companhia de nossa constante conversa com nós mesmos sobre como é ou como não é, se é ou se não é, se deveria ou não deveria, se pode ou não pode. Na solidão serena não esperamos segurança de nosso próprio diálogo interno. É por isso que somos instruídos na meditação a rotular “pensando”. Não tem realidade objetiva. É transparente e inapreensível. Somos encorajados a apenas tocar esse diálogo e soltar, nada a fazer a respeito. A solidão serena nos permite olhar honestamente e sem agressividade para nossas próprias mentes. Podemos gradualmente soltar nossos ideais de quem achamos que devemos ser, ou de quem pensamos que queremos ser, ou de quem achamos que as outras pessoas pensam que querem ou devem ser. Nós desistimos e apenas observamos diretamente e com compaixão e humor a quem somos. Então a solidão não é uma ameaça nem uma dor, e não há punição.”
— Pema Chödron
Caso não tenha lido o primeiro texto desta série sobre a solidão, que possui os links para a série completa das seis maneiras de experimentar a solidão serena, eis aqui: Virando a solidão de cabeça pra baixo: uma abordagem budista, por Pema Chödron.