Terapia não é (só) entender um problema. Na era da racionalidade, a terapia pode tomar esse rumo e se resumir a entender um problema, quando na verdade é um processo que acontece no profundo âmago do ser, onde estão ou onde são sentidas geralmente as angústias, crises, confusões e sofrimentos. É o âmago que leva a pessoa à terapia, e não a dificuldade em entender um problema (embora isso também possa fazer parte do cenário). Temos usado nosso intelecto demais, e nossa dificuldade em lidar com nossas dimensões emocional e visceral tem sobrecarregado essa dimensão intelectual, do “entendimento” intelectual. O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) tratou disso no meio da década passada, chamando a atenção para o comprometimento da experiência em prol do conceitual, que poderíamos dizer que é o predomínio do “hemisfério esquerdo” do cérebro sobre o “direito”, que é o que experimenta tudo, diretamente, sem interferência, sem julgamentos, sem a carga da memória e das emoções.
O que diz Jung:
“É aqui que começam – não só para o médico (ou terapeuta) – essas perigosas aberrações, a primeira das quais consiste em tentar dominar tudo pelo intelecto. Elas visam a um fim secreto, o de subtrair-se à eficácia dos arquétipos e também à experiência real, em benefício de um mundo conceitual aparentemente seguro mas artificial e que só tem duas dimensões: mundo conceitual que, com a ajuda de noções instituídas em benefício da clareza, gostaria de cobrir e ocultar toda a realidade da vida. O deslocamento para o conceitual tira à experiência sua substância para atribuí-la a um simples nome que, a partir desse instante, é posto em lugar da realidade. Uma noção não obriga ninguém, e é precisamente esta satisfação que se procura, uma vez que ela promete proteger contra a experiência. Ora, o espírito não vive através de conceitos, mas através de fatos e de realidades. Não é com palavras que se afasta um cão do fogo. E no entanto esse processo é repetido, infinitamente.” (pg 153).
— CARL G. JUNG, em “Memórias, Sonhos e Reflexões”
“O espírito não vive através de conceitos“.
“Não é com palavras que se afasta um cão do fogo“.
Há ainda aquele ditado que é preciso tomar a água para matar a sede, não basta encontra a água e falar sobre a água.
“Uma noção não obriga ninguém“.
Lindas frases, imbuídas de direções preciosas não só para o processo terapêutico, mas para a vida.
O sobrecarregamento do intelecto acontece justamente por evitação das dimensões visceral e emocional, que podemos arriscar dizer que é por evitação da experiência aberta como ela é. Justificamos ir, justificamos não ir, achamos isso, achamos aquilo, evitamos fazer, evitamos não fazer, etc. Não é um sobrecarregamento ocasional ou fortuito, é repetitivo e causado por essas evitações. E, em geral, são os diversos distúrbios e desequilíbrios causados por essas evitações que criam os problemas levados à terapia. Que atingem o âmago do ser.
Experimentar a si mesmo é o caminho. Integrar-se, sentir-se, viver-se. Isso inclui naturalmente o que evitamos, e que julgamos em princípio ruim, desconfortável, pois não conseguimos receber de maneira diferente, nem aceitar, nem acolher. Há uma vida maior aí.
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