Para Carl Gustav Jung, os sonhos não são ruídos da mente, nem restos do dia organizados ao acaso. Eles são uma das formas mais sérias e precisas de comunicação da psique consigo mesma. Ignorar os sonhos, para Jung, era como tentar compreender uma pessoa ouvindo apenas metade do que ela diz — e, muitas vezes, a metade menos sincera (““O sonho é uma produção psíquica espontânea, não distorcida por qualquer intenção consciente”, em A Natureza dos Sonhos – 1934).

Jung entendia o sonho como uma produção espontânea do inconsciente, não controlada pelo ego e não moldada por expectativas sociais, morais ou racionais. Por isso, atribuía aos sonhos um valor clínico enorme: eles mostram a situação psíquica real do indivíduo, não como ele gostaria que fosse, mas como ela de fato é. Quando alguém sonha, algo essencial da sua vida interior está se expressando de forma simbólica, imagética e viva.

Na visão junguiana, o sonho contém múltiplos níveis de informação. Ele pode revelar conflitos ignorados, potenciais ainda não desenvolvidos, desequilíbrios entre consciente e inconsciente, além de indicar direções de crescimento psicológico. Jung chamava isso de função compensatória do sonho: aquilo que está em excesso, falta ou distorção na consciência tende a ser compensado simbolicamente nos sonhos. Assim, o sonho não acusa nem consola — ele equilibra.

Por essa razão, Jung considerava o trabalho com sonhos fundamental na psicoterapia. Para ele, a análise dos sonhos não era um recurso opcional ou complementar, mas uma via privilegiada de acesso ao inconsciente. Os sonhos trazem imagens que o paciente muitas vezes jamais diria em palavras, seja por não conseguir, seja por não perceber conscientemente. O sonho diz o que precisa ser dito, do jeito que a psique consegue dizer. E, não raras vezes, os sonhos carregam manifestações das mais fortes e críticas para o caminho de cura e Individuação de uma pessoa, como enredos criados pelo seu arquétipo de Sombra, ou de Anima/Animus, ou de vários outros símbolos e dramas decisivos para a vida de quem sonha.

Outro ponto central em Jung é que nada no sonho é arbitrário. Cada detalhe — uma cor, uma atmosfera, um personagem estranho, uma ausência marcante — possui significado psicológico. Mesmo aquilo que parece confuso ou sem sentido faz parte de uma lógica simbólica própria, diferente da lógica racional, mas não menos precisa. Jung afirmava explicitamente que o sonho não comete erros.

O que aconteceria se os sonhos não fossem considerados no processo terapêutico? Segundo Jung, há um custo claro: a psicoterapia corre o risco de se tornar unilateral, excessivamente guiada pela visão consciente do paciente (e do terapeuta), deixando de fora forças psíquicas profundas que continuam atuando à revelia. O inconsciente não ouvido não desaparece — ele retorna, muitas vezes, na forma de sintomas, repetições, angústias sem nome ou crises inesperadas.

Considerar os sonhos é, portanto, uma atitude de respeito à totalidade da psique. É reconhecer que nem tudo o que nos move é racional, linear ou imediatamente compreensível — e que justamente aí reside uma fonte preciosa de transformação. Para Jung, trabalhar com sonhos não era “interpretar símbolos prontos”, mas dialogar com a alma, permitindo que ela participe ativamente do processo terapêutico.

Em última instância, Jung via os sonhos como aliados do processo de individuação — o caminho pelo qual uma pessoa se torna quem ela é, de forma mais inteira e autêntica. Dar espaço aos sonhos em psicoterapia é abrir espaço para essa jornada profunda, onde a psique não é corrigida, mas escutada.

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